O sol nasceu inúmeras vezes antes que o Viajante do Tempo finalmente pudesse descansar. Sua capa escura e empoeirada jazia ao seu redor, enquanto ele contemplava o céu deitado sobre a grama macia. Ao seu lado, a razão do fim de uma eternidade de busca e sacrifício, de dor e decepção e enganos incontáveis. Ela era linda, pensava ele, sorrindo. Principalmente com os raios do sol do amanhecer tingindo sua pele com matizes dourados. Seus cabelos castanho-escuros misturavam-se ao verde da relva, e os olhos dela cintilavam, enquanto ela fitava uma posição intermediária entre o Viajante e o infinito. Seu rosto ostentava um sorriso suave, de alguém que sentia uma paz e um contentamento indescritíveis. No rosto do outro, a velha expressão exaurida e desesperançosa havia se desvanecido em um riso bobo, olhos faiscando à luz da descoberta de uma razão para, enfim, despir sua capa e suas botas e fazer as pazes com os ponteiros da eternidade. Não apenas ele ou ela, mas ambos estavam imensamente felizes.
“Parece que já nos conhecemos há tanto tempo.” – disse ela, brandamente, fitando seu companheiro com uma doçura sem par – “E só nos encontramos há tão poucos momentos...”
“O tempo,” – o Viajante começou, relembrando as velhas lições recebidas quando ainda estava começando sua jornada – “não corre em uma única direção, mas em todas elas ao mesmo tempo.”
“O que quer dizer com isso?” – ela indagou, sentindo a curiosidade pelo desconhecido acender-se em seu coração – “Em todas as direções?”
“Sim. O mesmo tempo que flui do ontem para amanhã também corre no sentido inverso. É complicado de entender a teoria, mas na prática o que temos é essa sensação de nos conhecermos há séculos mesmo que nem sequer uma semana tenha decorrido desde nosso primeiro encontro.”
Ela sorriu. Havia uma teoria para explicar isso. Ele a possuía e a dominava, ao menos era o que parecia. Não fazia sentido para ela, mas, ao mesmo tempo, era perfeitamente plausível. O ontem e o amanhã, o hoje, passado e futuro, não era realmente necessário que fossem ordenados sempre da mesma forma. Ela refletiu por alguns momentos, com os olhos fechados, no que o Viajante do Tempo lhe dissera. Se aquela era a explicação, se o tempo corria do futuro para o passado da mesma forma que fazia o caminho inverso, então, só poderia significar uma coisa. E baseando-se nesse palpite tímido, ela arriscou:
“Se as coisas são como você diz, e o tempo também flui do futuro para o passado... Então a sensação de nos conhecermos há séculos vem disso. Significaria, portanto, que estaremos juntos por muito, muito tempo, pois muito tempo foi percorrido por nós dois juntos no sentido contrário ao que percebemos. Estou certa?”
“Tão certa quanto é possível estar.” – disse ele, rindo – “Nem os velhos mestres que me ensinaram a arte de transcender as eras diriam melhor.”
E então, num movimento que parecia combinado por ambos, rolaram no gramado e convergiram em um abraço que pareceu durar por décadas. Os lábios se tocaram, olhos fechados, e todo o universo coube no instante daquele beijo. No aperto dos dois corpos um contra o outro, pensou o Viajante do Tempo em seus devaneios que misturavam a cálida poesia dos bardos com a lógica e a razão dos sábios, havia mais energia do que no primeiro instante do mundo. Naquele abraço, havia calor suficiente para acender todas as estrelas do firmamento. E ele se perdeu naquele momento.
Se antes sua mente transitava pelos éons incontáveis em busca de respostas para perguntas insolúveis, agora seu coração se perdia numa fração de momento que parecia mais valiosa que todas as eternidades que houveram e haveriam. Ela estava certa, concluiu ele sem desvencilhar-se daquele confortável enlace, o tempo já os levara em conta. O futuro os continha dentro de si, o embrião de um grande amor encerrado numa incógnita da equação da infinidade. Estariam juntos por muito tempo, talvez por todo ele, até. E ele sentia-se feliz em constatar isso.
De repente, suas experiências prévias, suas aventuras no passado, presente e no futuro longínquo, em realidades as mais diversas, pareceram tão sem importância quanto era desimportante o fato de que, naquele momento, as engrenagens cósmicas giravam escondidas por trás do céu azul e das nuvens brancas. Imerso naquele abraço, o Viajante do Tempo não se importava se o amanhã seria mudado ou se o ontem permaneceria igual, porque o que havia alcançado naquele instante era o paraíso que sempre sonhara. E o melhor de tudo, derivou sua mente a partir desse pensamento, ela também sentia o mesmo.
“Eu tenho menos certeza de como funciona a mecânica do tempo do que tenho convicção de que te amo e quero estar ao seu lado no último pôr-do-sol deste mundo.” – disse o Viajante, olhando no fundo dos olhos de sua companheira.
“Eu diria o mesmo.” – foi tudo que ela falou, e seus lábios se tocaram em outro beijo infinito. Diria um estudioso do tempo que dez universos foram criados e destruídos no lapso que compreendeu aquele momento de amor verdadeiro.
“Eu sempre achei que o Sonho Extremo fosse um lugar além do espaço, um ponto distante, fora de qualquer parâmetro, alheio às distâncias e ao fluir dos dias. E agora sei que o verdadeiro sonho é o que contém você. Em você, todas as realidades poderiam ser condensadas, em você tudo que há de bom viceja como um jardim de rosas, você é tudo que eu sempre desejei e nunca soube nomear...”
Ela o calou novamente, apertando seu corpo fortemente contra o dele, em outro abraço de proporções cósmicas. Cada átomo da existência vibrou com a energia que foi dispersa naquele instante. O Viajante do Tempo estava feliz, ela estava feliz. O amor nascia e era abençoado desde aquela ocasião com a vida eterna. Era o fim de uma história, pensou a jovem, com a brisa brincando em seus cabelos, e o começo de todas as outras. Era o momento mais perfeito já imaginado pela mente mais ambiciosa, era a concretização de ideais de perfeição que não cabiam nos corações deles dois, era tudo isso e muito mais.
“Eu procurei por você em todos os mundos possíveis, em todos os tempos possíveis. E encontrei por fim, próxima ao lugar de onde parti há mais anos do que saberia contar.” – disse ele, afagando os cabelos da garota e não conseguindo esmaecer o sorriso em sua face – “Me sinto realizado, finalmente. Sinto que tudo que houve até agora valeu a pena.”
“Nunca saí daqui.” – disse ela, rindo – “Fiquei quietinha esperando que você me encontrasse.”
“Me sinto envergonhado de ter demorado uma eternidade inteira para achá-la.” – disse ele, sorrindo ainda mais abertamente – “Mas me sinto orgulhoso de ter sido abençoado com uma vida longa o bastante para ver essa hora chegar.”
E o que veio depois não precisaria mais ser contado. A crônica infinita do Viajante do Tempo finalmente estava encerrada. Os portais estariam para sempre fechados, os dias seguiriam sua marcha e os dois amantes que haviam encontrado um no outro uma razão para viver para sempre, caminhariam adiante, rumo à realização de todos os outros sonhos, os menores, pois o Sonho Extremo – e ambos sabiam disso muito bem – estava finalmente realizado.